Em busca da fonte da juventude
Conteúdo extraído do livro “Ciência e Arte do Preenchimento”, Ed. AGE, 2018.
Ponce de León (1460-1521): Onde estaria a water of life, fonte da juventude, tão
febrilmente procurada ao longo da história da humanidade?
A busca da imortalidade sempre povoou o imaginário do homem. O rei da
Macedônia Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), foi um dos personagens que
cedeu ao seu encanto, instigado por um conto hebraico. Na Idade Média, várias
viagens de exploração foram patrocinadas por cortes reais. O desbravador espanhol
Juán Ponce de León (1460-1521), que acompanhou Cristóvão Colombo em
sua segunda expedição, também foi um dos exploradores que cruzou o Oceano
Atlântico, no início do século XVI, em busca dessas águas rejuvenescedoras.
Dizia uma lenda greco-romana, da qual a Europa se apropriou a partir do
Renascimento, que uma fonte ofertada pelos deuses tomava a forma de um rio
saindo do Monte Olimpo, a mais alta montanha da Grécia, e passava pela Terra,
garantindo vida eterna a quem bebesse de sua água.
Ponce de León a procurou em ambientes paradisíacos, onde também estaria
o Jardim do Éden, segundo a lenda, e esquadrinhou várias regiões tropicais:
Cuba, Porto Rico…
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Num domingo de Páscoa do ano de 1513, ele chegou a uma região litorânea
rica em águas minerais, que batizou de La Florida, mas acabou sendo ferido por índios
e morreu. Em sua homenagem,
foi criado o Parque Nacional da Fonte
da Juventude, em Saint Augustine
– cidade localizada na primeira faixa
costeira colonizada por europeus.
Ponce de León não encontrou
a tal fonte da juventude e certamente
ninguém a achou até hoje. Ainda
assim, é fato que o ser humano está
cada vez mais próximo do seu objetivo,
pois já se vive melhor, e por
mais tempo.
A pintura de Ponce de León retrata
o desejo de longevidade numa
época em que a expectativa de vida
era de cerca de 30 anos. Hoje, o homem
ultrapassa facilmente o limiar
dos 70 anos. Esse fato se deve a pesados
investimentos na construção
do conceito de saúde e qualidade de
vida.
12 Roberto Chacur
Graças às técnicas atuais, é possível aparentar uma idade muito menor que a
cronológica. Tanto que, nos dias de hoje, não consideramos mais a idade cronológica,
mas a biológica. Dessa forma, pessoas com 73 anos podem ter biologicamente
50 anos. Em um certo sentido, isso significa estar no caminho certo para
encontrar a fonte da juventude.
Ciência e Arte do Preenchimento é o primeiro livro do Dr. Roberto Chacur. Na publicação, o Dr. Chacur reúne sua experiência para mostrar a ciência por trás do preenchimento e o requinte da arte na hora de trabalhar harmonização facial e corporal.
Em 1958, Merlen propôs a teoria circulatória, que reconhece a origem hemodinâmica da celulite. Essa foi mais bem formulada e publicada em 1968 pelo próprio Merlen, juntamente com Curri.
Em 1960, Kermongant desenvolveu a teoria bioquímica, segundo a qual a celulite seria resultado de um distúrbio metabólico da substância fundamental do tecido conjuntivo. A partir daí, várias hipóteses foram publicadas para tentar elucidar a etiopatogenia da celulite (GRAU, 1964; FALCO, 1972; CAMBAR, 1976; RIBUFFO, 1983; BINAZZI, 1977; CURRI, 1976, 1983, 1991), entretanto, até hoje ela segue incerta, embora se saiba que é multifatorial.
Do ponto de vista etimológico, o termo celulite sempre gerou debate, uma vez que é formado pelo latim cellula (que significa “pequena câmara”) e pelo grego ite (que significa “inflamação”). Portanto, celulite significa inflamação das células. Apesar dessa origem, esse termo é utilizado para descrever o processo infeccioso da derme profunda e do tecido subcutâneo.
Na tentativa de alcançar uma denominação mais fidedigna à condição, diversas nomenclaturas foram propostas, dentre elas: lipodistrofia; lipoedema; fibroedema geloide; hidrolipodistrofia; hidrolipodistrofia ginoide; paniculopatia edemato-fibro-esclerótica; paniculose; lipoesclerose nodular; adiposidade edematosa; dermatopaniculose deformante, lipodistrofia ginoide.
Embora se destaque a denominação hidrolipodistrofia ginoide, que define uma alteração patológica da hipoderme, com presença de edema e com função veno-linfática alterada, esse é o termo mais amplamente utilizado na literatura médica.
Ginoide é o que melhor contempla o predominante acometimento feminino. Atualmente, a comunidade científica aceita também o termo celulite, já que publicações com essa terminologia advêm da década de 20 do século passado, e entende-se que se geraria uma confusão ainda maior corrigir todos os artigos científicos já publicados até então.
TEORIA ANATÔMICA
Se a celulite é simplesmente a expressão de excesso de tecido adiposo
(como tentavam defender alguns estudiosos até a década de 70), por
FIGURA 1.2 | Em paciente com
sobrepeso as celulites ficam mais
evidentes, com a gordura mais
compactada e mais retrações dos
septos, além de uma estase vascular
e diminuição do metabolismo local.
Fonte: acervo do autor.
20 Vitória contra a celulite
que, então, essa condição ocorre quase exclusivamente no sexo feminino
e somente em algumas regiões corporais?
Foram exatamente essas questões que dois médicos alemães, Nürnberger e Müller, tentaram elucidar com sua célebre publicação de 1978,
que veio a se tornar a famosa Teoria Anatômica, a qual explica a gênese da celulite baseada nas peculiaridades da arquitetura do tecido subcutâneo feminino. A partir do exame histopatológico de 180 amostras
(150 cadáveres e 30 in vivo) de tecido subcutâneo com celulite, os autores não evidenciaram fenômenos de edema e/ou fibrose – teorias aceitas até então.
Esse trabalho atribuiu à celulite a combinação de dois fatores causais: o excesso de gordura (defendendo a ideia de que não há celulite
sem adiposidade) e as peculiaridades anatômicas do tecido subcutâneo
feminino. Enquanto nos homens se observaram lóbulos de gordura com
fibras colágenas dispostas obliquamente à superfície da pele, formando
uma rede altamente interconectada, nas mulheres evidenciaram-se fibras colágenas dispostas perpendicularmente à superfície da pele, formando uma rede menos densamente conectada, com lóbulos de gordura
volumosos e retangulares projetando-se em direção à derme e formando a ondulação característica da celulite.
As diferenças arquiteturais entre o tecido subcutâneo masculino e
o feminino seguiram sendo alvo de estudos. Querleux et al. analisaram
70 indivíduos por meio da ressonância nuclear magnética (RNM), usando
imagens e espectrometria. O estudo confirmou a diferença na orientação
das fibras colágenas entre homens e mulheres, embora não a tenha considerado tão extrema como descreveram Nürnberger e Müller. Em 2004,
Mirrashed et al., usando imagens de RNM, reforçaram a herniação dos lóbulos de gordura femininos em direção à pele como fundamentais no processo da celulite. Além disso, esse estudo trouxe à luz dois importantes
conceitos: o primeiro é que o IMC acima de 30 kg/m² não tem relação direta com o surgimento da celulite; o segundo sugere que a magreza constitucional e a frouxidão da pele e das fibras viscoelásticas presentes no tecido subcutâneo também são elementos patogênicos da celulite.
Uma análise multicêntrica publicada em 2019 investigou com grande propriedade a estrutura e a resistência biomecânica do tecido subcutâneo, com foco na patofisiologia da celulite. Foram estudadas 20
Vitória contra a celulite 21
amostras de biópsia da região subcutânea glútea (10 homens e 10 mulheres, caucasianos, com idades variando de 36 a 92 anos e IMC variando de 16,70 a 40,80 kg/m²). Embora a casuística do estudo não tenha
sido grande, os resultados foram de extrema valia para o entendimento
da celulite. Foram identificadas cinco diferentes camadas até chegar no
músculo glúteo máximo: derme, gordura superficial, fáscia superficial,
gordura profunda e fáscia profunda, igualmente para ambos os sexos.
Como já era sabido, os lóbulos de gordura estão enclausurados pelas fibras de tecido conjuntivo, formando uma estrutura em favo de mel. Nas
amostras femininas, a quantidade de lóbulos de gordura foi significativamente menor, entretanto estes se apresentaram mais volumosos e pesados em comparação com o tecido subcutâneo masculino.
Esse estudo também analisou a força necessária para o lóbulo de gordura romper o septo fibroso e projetar-se em direção à derme. A ruptura
septal nas amostras masculinas exigiu uma força estatisticamente mais
alta do que nas das mulheres. Isso significa dizer que quanto menor a força necessária para a ruptura septal, maior a facilidade de projeção do lóbulo de gordura em direção à derme e maior a propensão à celulite. Com
relação ao IMC, alguns pontos foram esclarecidos. O estudo evidenciou
que quanto maior o IMC, maior o tamanho e o peso dos lóbulos de gordura
e, portanto, maior a projeção deles em direção à pele sobrejacente.
Bem recentemente, em 2021, Whipple et al. avaliaram as bases anatômicas para a formação da celulite por meio de exame de ultrassom nas
próprias ondulações. De 173 celulites examinadas, 169 (97,68% dos casos) estavam associadas à presença de septo fibroso formando a lesão.
Querleux et al., em 2002, usando as imagens de RNM, já haviam demonstrado que as áreas de celulite apresentavam alta concentração de septos
fibrosos no tecido subcutâneo em comparação com áreas sem celulite.
A presença de septos contribui para a piora clínica das lesões, mesmo
em pacientes muito magras. A associação da celulite com septos fibrosos é um dado muito significativo, especialmente no que tange à escolha do método terapêutico para cuidar desse quadro. Sabe-se que o único tratamento eficaz para os septos fibrosos é a sua ruptura por meio de
subincisão.
Baseado na Teoria Anatômica e em todas as publicações acerca das
peculiaridades e diferenças arquiteturais dos tecidos subcutâneos mas-
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culino e feminino, conclui-se que a celulite é um desequilíbrio entre as
forças de contenção e de extrusão na junção subdérmica. Independentemente do IMC e da idade, mulheres têm maior propensão à formação de
celulite devido à redução da estabilidade biomecânica na arquitetura do
tecido subcutâneo em comparação aos homens. Somada a isso, a presença dos septos fibrosos em maior concentração nas áreas celulíticas contribui para o agravamento das lesões.
Juntamente com a Teoria Anatômica, existem outras duas teorias
que tentam esclarecer a etiopatogenia da celulite: a Teoria Microcirculatória e a Teoria Inflamatória.