SILICONE LÍQUIDO INJETÁVEL (SLI)

Conteúdo extraído do livro “Ciência e Arte do Preenchimento”, Ed. AGE, 2018.

A palavra silicone foi cunhada pelo químico inglês Frederick Kipping (1863-1949) para descrever polímeros sintetizados por ele a partir do elemento sílica. Reações químicas utilizando silicone elementar resultam numa classe de compostos denominados siloxanes, que misturam sílica, oxigênio e metano. Eles não são uma substância única, mas uma família de compostos, cujas propriedades físicas e químicas, pureza, esterilidade e biocompatibilidade são variáveis.
Dependendo do grau de polimerização desses elementos, o silicone pode apresentar-se numa forma sólida, líquida ou em gel. A composição do silicone líquido purificado se distingue daquela do não purificado por ter uma cadeia uniforme de polímeros. O polidimetilsiloxano fluido (ou SLI) é o produto usado para preenchimentos teciduais; compõe-se de unidades de dimetilsiloxano que se repetem e terminam com o trimetilsiloxano.
Ainda com respeito às características físico-químicas dos dimetilsiloxanos, suas viscosidades dependem dos diferentes graus de polimerização e número de ligações cruzadas entre as moléculas. A unidade de referência para essa viscosidade é o centistoke (cS). Utilizando-se como referência a água (100 cS), é possível encontrar produtos com 20 cS até 12.500 cS.

O silicone líquido industrial tem sido clandestinamente usado como material para fins estéticos há mais de meio século. Os maiores usuários são as mulheres e os transexuais de países da Ásia e da América do Sul. Inicialmente utilizada na sua forma pura, a substância passou a ser agregada a outras, como óleos vegetais ou minerais, com o objetivo de aumentar a resposta do tecido local e frear a migração do produto quando aplicado no organismo em grande quantidade. Associando o silicone líquido ao óleo de oliva, a fórmula de Sakurai, descrita no Japão, é das mais conhecidas. Uma primeira tentativa de regulamentar a questão surgiu em 1992, quando o Food and Drug Administration (FDA), norte-americano, decidiu restringir o uso do silicone nos Estados Unidos em atenção à preocupação que a toxicidade do produto injetado nas mamas gerava na comunidade médica. O FDA também proibiu a comercialização do SLI para fins cosméticos, e isso incluía a reversão de defeitos faciais e rugas. Dois anos depois, o produto foi autorizado para uso oftalmológico, em casos de descolamento de retina.
Quase uma década depois, o mesmo FDA aprovou, em 2001, estudo clínico de um óleo à base de silicone altamente purificado, destinado ao tratamento de depressões malares, da linha de marionete e das pregas nasolabiais. Em 2003, o órgão também validou estudo sobre a utilização de SLI associado à lipodistrofia por HIV. No entanto, com o número crescente de complicações, seu uso médico sofreu novas restrições.

No Brasil, a aplicação de SLI ainda é realizada em clínicas clandestinas por pessoas inescrupulosas e sem habilitação, enquanto volumes excessivos do produto na sua formulação industrial – isto é, com resíduos e não estéril – continuam trazendo graves problemas de saúde aos consumidores menos informados. Há relatos de utilização de até oito litros em uma única sessão, o que representa grande risco à saúde do paciente. Por outro lado, embora boa parte das aplicações seja feita no tecido celular subcutâneo, há registros de emprego de injeções intramusculares.

O silicone líquido tem sido utilizado em larga escala, no mundo todo. Estima-se que, só nos Estados Unidos, tenha sido aplicado em pelo menos 200 mil pessoas. No entanto, seu uso é polêmico, quando não problemático. Injeções cosméticas faciais são consideradas arriscadas, pois não há como estancar a migração do produto para outras áreas do corpo, uma vez injetado. Além disso, seu uso pode provocar inflamação localizada e afetar as sensações e os movimentos dos músculos vizinhos.
Advoga-se o uso do SLI para tratar depressões faciais secundárias a traumas, infecções, cicatrizes de acne e ritides, bem como para melhorar áreas faciais afetadas por lipoatrofia e na rinoplastia não cirúrgica, entre outras. Sua utilidade cobre um largo espectro, indo do aumento dos tecidos moles até a lubrificação de agulhas hipodérmicas. Ele é, todavia, totalmente contraindicado para promover aumentos mamários e preenchimento de rugas perilabiais. Em qualquer caso, recomenda-se utilizar como técnica microinjeções com volumes pequenos (1 a 2 ml). Pacientes com histórico de infecções ou alergias crônicas e indivíduos com doenças autoimunes não devem fazer uso do SLI.

Os efeitos adversos da utilização do SLI como preenchedor podem ser de toda sorte. As complicações locais após injeção de silicone líquido industrial provocam alterações na coloração e na consistência da pele. Reações agudas, de hipersensibilidade tipo alergia, incluem edema, equimose, eritema, discromia e textura com linfaedema. Processos inflamatórios localizados também podem se apresentar na forma de abscessos, fístulas e granulomas. A estas últimas manifestações dá-se o nome de siliconomas. A palavra foi primeiramente utilizada em 1965 para caracterizar a reação de corpo estranho similar às descritas após injeção de óleos no organismo. De fato, além do silicone líquido, o emprego de substâncias como óleos minerais, parafinas e fluidos para transmissão automotiva provocam um tipo similar de reação tecidual anátomo-patológica, chamada de lipogranulomatose esclerosante. Essas reações granulomatosas são normalmente tratadas com uma variedade de terapêuticas, incluindo esteroides tópicos de alta potência e antibióticos.

Aspecto macroscópico com hiperpigmentação pós-inflamatória crônica, muitas vezes associada a linfedema, frequentemente com migração de produto e linfonodomegalia local ou à distância.

Quando o SLI é usado em grande quantidade ou de maneira muito superficial na derme, a textura da pele pode sofrer distensão e consequente bloqueio dos vasos linfáticos, adquirindo um aspecto de casca de laranja. Formação de nódulos, ulcerações com necrose, abscessos e fístulas, eliminação do material injetado, retrações e deformidades cicatriciais também podem acontecer. Outras complicações são as reações idiossincrásicas tardias ao silicone líquido injetável e as doenças do tecido conjuntivo.

Ressonância magnética característica de silicone líquido com presença de siliconoma. Importante também a percepção de que esse tipo de produto é utilizado em subcutâneo, o que é contraindicado quando se trata de volume significativo com qualquer produto de longa permanência ou permanente.

 

Processos inflamatórios ocorrem em áreas bem demarcadas de inchaço moderado, com ou sem eritema, e frequentemente são precedidas por uma infecção em sítio distante, como sinusite aguda, otite média, abscesso dentário ou furunculose. A histopatologia refere reação inflamatória crônica não específica, que responde a injeções de corticoides sistêmicos e a antibióticos orais de amplo espectro. Quando o silicone líquido é utilizado em maior volume durante uma única sessão terapêutica, podem ser identificadas alterações teciduais em locais distantes daquele em que o produto foi injetado, em função do seu elevado potencial de migração. A longo prazo, há risco de acometimento de linfonodos regionais e infiltração de tecidos adjacentes. A migração distante do gel de silicone em procedimentos de implante de mama rompido é uma das complicações reportadas. Esses grandes volumes da substância migram por força da gravidade, da ação muscular e da pressão externa ao longo dos planos teciduais de menor resistência, gerando uma série de complicações, associadas ou não a infecções. A dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se remover o material injetado e os tecidos fibróticos e cicatriciais adjacentes dificulta a resposta médica.
Muitas dessas reações podem ser tardias, o que dificulta ainda mais o diagnóstico. De fato, o aparecimento do quadro agudo inflamatório ou infeccioso como manifestação precoce não é comum. Há, na literatura médica, referência a intervalos sem manifestações clínicas de três a vinte anos, com média de seis a dez anos.

O tratamento clínico das complicações do uso de SLI é às custas de anti-inflamatórios, anti-histamínicos, corticosteroides e antibióticos sistêmicos. São drogas usadas em casos de eritema, edema e celulite. O tratamento cirúrgico deve ser realizado na fase aguda, caso apareçam áreas de isquemia ou necrose mais extensas e profundas, e também se houver abscesso, fístula ou fasciíte. Embora haja, na literatura médica, farta documentação dos efeitos nocivos da injeção de silicone líquido nas mamas, não há evidências de que seu uso esteja associado ao surgimento do câncer mamário. Note-se, porém, que as alterações clínicas e mamográficas provocadas pelo SLI podem dificultar o diagnóstico diferencial de lesões cancerígenas. Em qualquer caso, a total remoção do produto é difícil e quase impossível. Embora não existam outros tratamentos, é recomendado ater-se à ressecção dos siliconomas e tecidos comprometidos, haja vista as sequelas locais de ressecções mais extensas.

Apesar dos problemas que pode causar, o SLI tem uma legião de defensores. A favor do produto, evoca-se a facilidade de uso, os resultados duradouros e o baixo custo. Argumenta-se, também, que a maioria das complicações resulta de implante de grande volume de material industrializado ou de utilização de substância falsificada ou adulterada. A técnica de injeção do produto também faz toda a diferença no surgimento de reações.

No entanto, não há como promover bons resultados estéticos em pernas, nádegas e seios sem fazer uso de grande volume de material – e, nesse caso, os problemas podem ser graves e de difícil tratamento. A prática é particularmente perigosa entre a comunidade transexual.

Ver Capítulos

Introdução

Em busca da fonte da juventude

Primeira Parte: CONCEITOS DE BELEZA

Anatomia ósse da face
Anatomia da pele
Beleza e Atratividade
– Por que achamos alguém bonito?
– Sequência de Fibonacci
– Estética áurea
– Para pensar
Etiologia do envelhecimento
– Como nos tornamos senis?
– Telômeros e senescência
– Isto é surpreendente!
– Vida útil em discussão
– O equilíbrio da imunidade
O envelhecimento cutâneo
– Fisiopatologia
– Achados clínicos
– Medidas preventivas
– A importância do bom-senso médico no tratamento estético
Transtorno dismórfico corporal
– Etiologia
– TDC e procedimentos estéticos
O potencial de transformação dos fillers
– Condições ideais para um bom produto de preenchimento
– O que é o preenchimento
– Lifting X Ressurfacing
– Técnicas de volumetria
O que a ciência promete para o futuro?

Segunda parte: PREENCHEDORES MAIS USADOS

Não permanentes
Permanentes ou não absorvíveis
Características gerais
Polimetilmetacrilato
Ácido hialurônico
MD Codes
Ácido polilático
– Utilização dos fios de ácido polilático
Hidroxiapatita de cálcio
Hidrogel
Silicone líquido injetável
Outros tratamentos associados a preenchimento
– Toxina botulínica
– Laser CO2 fracionado
Adendo: Análise microscópica do polimetilmetacrilato

Terceira parte: O PASSO A PASSO DA TRANSFORMAÇÃO

Uma plástica minimamente invasiva
O instrumental que se usa
O procedimento e a “mão” do médico
Tipos de anestesia
Perigos do procedimento com preenchedores em geral
Topografia facial e riscos do preenchimento
Complicações e como gerenciá-las

Quarta parte: PROCEDIMENTOS FACIAIS E CORPORAIS

Preenchimento facial
Preenchimento das maçãs do rosto
Preenchimento de rugas, sulcos faciais e cicatrizes
Rinomodelação com preenchimento
Preenchimento da mandíbula
Preenchimento labial
Preenchimento do mento
Preenchimento de pálpebras
Preenchimento peitoral
Preenchimento de glúteos
Preenchimento em lipodistrofia
Bioplastia genital
– Bioplastia e técnicas para aumento do pênis
– Bioplastia de saco escrotal
– Bioplastia de glande
– Bioplastia de vulva
– Bioplastia de clitóris
– Bioplastia de reconstrução após mudança de sexo
Poliomielite
Síndrome de Parry Romberg
Tratamento de celulite e irregularidades cutâneas
Goldincision – Tratamento com subcisão e preenchimento com PMMA

Quinta parte: ASPECTOS JURÍDICOS

A Anvisa e os produtos aprovados por ela
Direito e Medicina
A lei e o uso de implantes líquidos
O Código de Ética Médica

 

 

 

Ciência e Arte do Preenchimento é o primeiro livro do Dr. Roberto Chacur. Na publicação, o Dr. Chacur reúne sua experiência para mostrar a ciência por trás do preenchimento e o requinte da arte na hora de trabalhar harmonização facial e corporal.

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