ANATOMIA DA REGIÃO DOS GLÚTEOS APLICADA NA PRÁTICA
Conteúdo extraído do livro “Vitória Contra a Celulite” do Dr Roberto Chacur, Ed. AGE, 2023.
Dr. Roberto Chacur
Dra. Danuza Dias Alves
Dr. Hamilton Couto
A anatomia muscular do glúteo é de extrema importância, principalmente quando o paciente é submetido a correção volumétrica, ainda mais quando se trata de produto de longa duração, que deve ser infiltrado em nível intramuscular. Esse plano é muito importante se pensarmos a longo prazo, pois o produto precisa ficar no músculo, sustentando-o, e não na pele, “pesando”, além de proporcionar um resultado mais natural e imperceptível ao toque. Para correção volumétrica com produtos absorvíveis, em alguns casos, o preenchimento pode e deve ser em plano subcutâneo, assim como no tratamento da celulite, com o uso de bioestimuladores, mas sempre em quantidades pequenas. A seguir, apresenta-se o detalhamento de uma dissecção pelos autores em fresh frozen cadáver antes e depois da infiltração de PMMA com corante e correlacionando com imagens de desenhos anatômicos.
Ao longo deste capítulo será mesclada uma revisão da literatura com a dissecção de cadáver fresco pré e pós-aplicação de Biossimetric ® 30% com corante.
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CAPÍTULO 2 – CLASSIFICAÇÃO DA CELULITE
CAPÍTULO 5 – MODELAMENTO DE GLÚTEOS
CAPÍTULO 6 – TRATAMENTOS INJETÁVEIS PARA CELULITE
CAPÍTULO 7 – LASER-LIPO: TECNOLOGIA INVASIVA
CAPÍTULO 8 – OUTROS TRATAMENTOS PARA CELULITE
CAPÍTULO 9 – EFEITOS BIOESTIMULADORES
CAPÍTULO 10 – INFLUÊNCIA DOS HORMÔNIOS
CAPÍTULO 11 – GOLDINCISION®: UMA ABORDAGEM MULTIFATORIAL NO TRATAMENTO DA CELULITE
CAPÍTULO 12 – MANCHAS PÓS-GOLDINCISION ®
CAPÍTULO 13 – EFEITOS ADVERSOS E INTERCORRÊNCIAS NA GOLDINCISION®
FIGURA 4.1 | A Imagem pré-dissecção em que é observada a preparação do material que foi utilizado para corar as estruturas, as quais seriam analisadas após a dissecção da região glútea. Fonte: acervo do autor.
FIGURA 4.2 | A abordagem de escolha para início da dissecção foi a de Kocher langenbeck (via de acesso nas cirurgias de quadril). Abordagem inicial neste estudo para melhor visualizar toda musculatura superficial e profunda, assim como estruturas vasculares e nervosas. Fonte: acervo do autor.
FIGURA 4.3 | A imagem acima é proveniente da dissecção de um cadáver fresh frozen no qual é demonstrado um verdadeiro emaranhado de septos fibrosos juntamente com estruturas vasculares. Note que o septo não é único e acompanha a ramificação vascular, tornando-se mais numeroso e mais delgado conforme se superficializa, assim como os compartimentos de gordura. Fonte: acervo do autor.
Na gordura superficial, temos um maior número de compartimentos de gordura com maior pressão, principalmente em pacientes obesos ou com sobrepeso. Consequentemente, há maior aparência das irregularidades da celulite, maior comprometimento vascular, com mais estase venosa e edema, o que leva a um aumento ainda maior da pressão, com mais retenção de líquido.
FIGURA 4.4 | Fáscia superficial – separa gordura superficial (camada areolar) da gordura profunda (lamelar). Conforme publicado na PRS em setembro de 2021 por Lauren A, Whipple: constatado em exame ultrassom que em 97,6% dos casos (169 de 173 irregularidades) estavam com presença de septo fibroso, e 84.4% destes, com orientações obliqua x perpendicular, 90% com origem de fáscia superficial, 11% tendo relação com estrutura vascular, mais em obesos ou com sobrepeso. Fonte: acervo do autor.
O descolamento dessas retrações acaba aliviando não apenas esteticamente, mas também ocasiona a redução na pressão local, melhorando, assim, a circulação e o edema local, que, associado aos bioestimuladores (que podem ser distribuídos tridimensionalmente em todo o tecido subcutâneo), promovem ainda a reestruturação do colágeno e implementam a neovascularização, que sabidamente a propriedade desse produto proporciona.
A fáscia superficial está intimamente relacionada com a aparência da celulite, que com a força gravitacional associada à flacidez cutânea, promove uma aparência ainda maior.
Logo abaixo do tecido subcutâneo, temos o glúteo máximo, e sua aponeurose está em contato direto com praticamente todo o tecido subcutâneo do glúteo, e é nesse intervalo entre músculo e pele que temos as irregularidades.
Não será com o preenchimento em nível intramuscular que iremos corrigir essas retrações. Eventualmente, quando realizado, embora a projeção e a flacidez melhorem, algumas irregularidades podem inclusive ficar mais aparentes. Ou seja, alguns abaulamentos não podem ser corrigidos em nível muscular se o motivo está em nível subcutâneo.
FIGURA 4.5 | Na imagem ao lado podemos visualizar o glúteo máximo levemente corado após infiltrarmos Biossimetric® 30% com corante verde previamente à dissecção com uso de microcânula atramática (ponta romba) com 18G x 10 cm. Após a dissecção foi possível comprovar a ausência de corante em nível subcutâneo (produto infiltrado em nível muscular), compreendendo toda a camada muscular superficial e também a profunda. Fonte: acervo do autor.
REGIÃO DOS GLÚTEOS – MUSCULATURA, VASCULARIZAÇÃO E INERVAÇÃO
A região glútea é a área posterior à cintura pélvica, entre a crista ilíaca e a prega glútea inferior.
Musculatura:
• Músculos glúteos superficiais:
° Glúteo superior
° Glúteo médio
° Glúteo inferior
° Tensor da fáscia lata
• Músculos glúteos profundos:
° Piriforme
° Gêmeos superior e inferior
° Obturador interno
° Quadrado femoral
Inervação:
• Ciático
• Glúteo superior e inferior
• Cutâneo femoral posterior
• Pudendo
Vasos sanguíneos:
• Artérias glúteas superior e inferior (ramos da artéria ilíaca interna)
• Veias glúteas superior e inferior (drenam para a veia ilíaca interna)
Forâmen:
• Isquiáticos maior e menor da bacia (formados pelos ligamentos
sacroespinhoso e sacrotuberoso)
Limites:
• Superior: crista ilíaca
• Medial: prega interglútea
• Lateral: uma linha imaginária da espinha ilíaca anterossuperior
ao trocânter maior
• Inferior: prega glútea inferior
FIGURA 4.11 | O trato iliotibial atua como aponeurose para dois músculos da pelve, o tensor da fáscia lata e o glúteo máximo. É muito importante a relação deste com o preenchimento do quadril deep hips. Estabiliza o quadril e o joelho, tem a inserção de grande parte do glúteo máximo que se insere no trato iliotibial e na tuberosidade glútea do fêmur. Tuberosidade glútea do fêmur e trato ileotibial – neste local estaria inserido ¾ do glúteo máximo. Fonte: acervo do autor.
FIGURA 4.12 | Trato iliotibial do quadril esquerdo, com a paciente em decúbito completamente impregnada com corante VERDE quando preenchido com Biossimetric® 30% em deep hips, confirmando que mesmo nesta região é possível implantar o produto em planos profundos, junto e abaixo da fáscia (trato iliotibial/tensor da fáscia lata). Outro receio que poderíamos ter seria alguma lesão ou possibilidade de trauma articular com a microcânula, o que se mostrou pouco provável, para não dizer impossível. Fonte: acervo do autor.
É importante lembrar a relação anatômica entre o piriforme e o nervo ciático, que se localiza entre o piriforme e o gêmeo superior. Embora extremamente raro, já houve relato de pacientes com o “pé caído”, alguns logo após o procedimento, provavelmente por influência anestésica, e dois casos com evolução mais longa (60 dias), sendo um deles associado ao aparecimento de Herpes Zoster no pós-procedimento, o que pode justificar esse acometimento, conforme relatos na literatura.
Ao contrário do que se pensava, a marcação da linha de apoio com paciente sentado não exclui a possibilidade de chegarmos ao ciático com a microcânula.
FIGURA 4.16 | Ponta microcânula inserida pelo pertuito da marcação e propositalmente foi conduzida ao nervo ciático abaixo do piriforme. Aqui foi utilizada cânula 18G x 10 cm.
Fonte: acervo do autor.
Na imagem acima, foi aplicado PMMA Biossimetric® a 30% com corante verde onde demonstrou a impregnação predominantemente em
glúteo máximo e médio, e a ponta da microcânula propositalmente ali encostada no ciático, demonstrando que não se está livre dele.
FIGURA 4.17 | Conclui-se que a técnica de preencher sempre com a cânula atraumática, sempre em movimento e sem acúmulo do material, parece ser a mais segura, pois impossibilita a lesão do nervo. Isso decorre tanto pela propriedade da cânula ter a ponta romba, mas também pela compressão extrínseca, pois teremos como resultado o grupo muscular aumentado e não um acúmulo de produto.
Segundo a literatura, a profundidade com a qual o nervo ciático é identificado varia de 6,7 a 15 cm, a depender do ponto de referência utilizado. Por isso, precisamos atentar para não aprofundar a cânula, pois também já houve relato de casos de síndrome da compressão do nervo pudendo pós-procedimento, gerando desconforto que atinge a parte íntima, desde o pênis ou clítoris até o ânus, embora possa irradiar para a vulva ou o escroto. Geralmente essas complicações ocorrem com médicos iniciantes que inadvertidamente aprofundam muito a cânula na parte mais inferior ou mesmo medial do glúteo.
Independente do risco, que é pequeno, mas pode ocorrer, os casos conhecidos foram autorresolutivos, mas a ansiedade do paciente e do familiar pode transtornar um pouco nossa rotina de trabalho. Foram observados casos de “pé caído”, tanto na anestesia local como, apenas um caso, de recuperação arrastada por seis meses.
ANATOMIA VASCULAR DOS GLÚTEOS
As duas artérias glúteas (superior e inferior) originam-se das artérias ilíacas internas e fornecem sangue para os músculos piriforme, quadrado femoral e glúteo. Além disso, elas também suprem a pele da parte superior da coxa e das regiões glúteas. A artéria femoral circunflexa medial é proveniente da artéria glútea inferior.
Não temos relatos de acometimento vascular isquêmico ou embólico com preenchimentos glúteos por profissionais treinados e com uso de microcânulas. Durante o pós-procedimento sequer se desenvolve equimose.
No âmbito vascular, o que podemos ter no pós-preenchimento seria um aumento da vascularização, pela própria propriedade dos bioestimuladores, e eventual visualização de telangiectasias, possivelmente pelo aumento volumétrico local e possível maior pressão naquela região.
Como a drenagem arterial e venosa de membros inferiores não passa pela região glútea, não temos influência alguma no aparecimento de varizes em membro inferior; apenas localmente no glúteo, pois ocorre integralmente o retorno venoso dos membros inferiores.
Diferentemente, na Goldincision®, teremos um trauma vascular, e este será posterior ao bioestímulo. O trauma ocorre mais superficialmente no subcutâneo e sucede ao bioestímulo. Nessa região, apesar de inexistirem estruturas importantes, haverá muita equimose e eventuais hematomas.
Conforme descrito no capítulo sobre a Goldincision®, o efeito adverso mais prevalente é a equimose (100%), com eventual hematoma, havendo a necessidade de drenagem com agulha na revisão, mas eventualmente no mesmo dia do procedimento, de acordo com a necessidade. Todos os casos são resolvidos com compressão local, demonstrando ser, juntamente com o descolamento do septo da forma mais seletiva e profunda possível, a melhor opção preventiva para hematoma e consequente mancha por hemossiderina residual. Nesse caso, já tentamos gelo, fitas tape, entre outros materiais, mas a compressão local mostrou-se ser o método mais efetivo. Dessa forma, mantemos um curativo compressivo por 24 horas e uma bermuda modeladora por no mínimo sete dias.
Visão lateral – quadril
Nesta vista lateral, veremos o trato ílio-tibial com o músculo tensor da fáscia lata. Com muita frequência recebemos pacientes objetivando volume lateral no quadril ou depressão trocantérica e eventual paciente transgênero desejando feminilizar a região aumentando o quadril, o que não se consegue com outras técnicas de forma eficaz. Seguindo o preceito de “sustentar” e não “pesar”, o ideal seria infiltrar o produto de forma subfascial, pois isso permite um resultado mais natural e imperceptível, nem visualmente nem ao toque.
Quando subcutâneo em quantidade significativa, é possível perceber de imediato, já na infiltração anestésica, as irregularidades que podem aparecer visualmente. Quando subfascial, não temos irregularidades visíveis, pois o produto fica mais bem distribuído.
Inervação
A inervação sensitiva dessa área é composta pelos nervos cutâneos superiores da nádega ou clúnios superiores, que advêm das divisões laterais dos ramos dorsais de L1, L2 e L3. Na sequência, temos nesta área os nervos cutâneos médios da nádega ou clúnios médios, que advêm das divisões laterais dos ramos dorsais de S1, S2 e S3.
A região mais inferior da nádega é suprida pelos nervos inferiores da nádega ou clúnios inferiores, que têm origem no nervo cutâneo posterior da coxa. E este, por sua vez, tem origem nos ramos ventrais de S1, S2 e S3, que advêm do plexo sacral. Também temos a região perianal pelo nível perfurante cutâneo, que também advém do plexo sacral dos ramos sacrais S2 e S3, região perianal, e ainda a região mais lateral e superior da nádega é dada pelo nervo hipogástrico, que vem do ramo ventral L1. Uma atenção a essa inervação sensitiva mostra que os nervos clúnios superiores e médios da nádega não advêm do plexo e muito menos de ramos ventrais, por consequência. Então, são ramos de ramos dorsais dos nervos espinhais. Os clúnios inferiores advêm do plexo sacral bem como o perfurante cutâneo.
Subcutâneo – tratamento das irregularidades
Percebam que o contato da musculatura do glúteo com o subcutâneo ocorre na quase totalidade entre a fáscia do glúteo máximo e a parte superolateral com médio; com exceção da junção do glúteo máximo com o glúteo médio, em que raramente ocorre algum desnível, mas eventualmente pode estar presente. Toda e qualquer irregularidade que existir deve-se a alterações de subcutâneo. Para corrigir isso, precisamos atuar nesse mesmo nível.
REFERÊNCIAS
https://www.lecturio.com/pt/concepts/regiao-glutea/. Acesso em 2022.
Hall JE, Guyton A. Tratado de fisiologia médica. 13.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
Moore KL. Anatomia orientada para a clínica. 7.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
Netter FH. Netter Atlas de Anatomia Humana. 5.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Sobotta J. Atlas de Anatomia Humana. 21.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.