PMMA na Medicina – 85 anos de sucesso x desinformação e desconhecimento

Prof. Dr. Eduardo Costa Teixeira

O Polimetilmetacrilato (PMMA) é um polímero produzido industrialmente na forma de microesferas. Suas aplicações na área biomédica são inúmeras, e já caminham para um século, desde os primeiros trabalhos com o cimento ósseo, hoje largamente utilizado em ortopedia, neurocirurgia e odontologia. Porém, por suas propriedades físicas, como o tamanho das esferas, que impede a migração pelo interstício e a fagocitose, químicas, como a estabilidade e solubilidade em base gel, e biológicas, por ser inorgânico e inerte, o PMMA tem sido alvo de diversas pesquisas em outras áreas da medicina, com destaque, nos últimos anos, para a dermatologia, a cirurgia plástica e a medicina estética, que têm aplicado soluções de PMMA em base gel, com diferentes concentrações e veículos, para o preenchimento de partes moles, com fins estéticos ou reparadores.

Cotta-Pereira e colaboradores, em um estudo experimental realizado com um dos produtos comercialmente lançados à base de PMMA, implantado em tecido subcutâneo de ratos, classificaram a resposta encontrada como uma reação imune, do tipo “corpo estranho”, com formação de um granuloma histiocítico, mas limitada, que se estabiliza após aproximadamente quatro semanas. Tal reação passa por uma fase de grande afluxo de macrófagos, que envolvem as microesferas formando um granuloma com um aspecto reticular, e se completa com a presença dos fibroblastos, que produzem as fibras de colágeno, que envolvem e permeiam as esferas, trazendo, desta forma, um aumento de volume adicional e uma fixação definitiva da substância ao tecido.

Vários trabalhos já realizados com a injeção de PMMA, tanto em plano celular subcutâneo quanto intramuscular, mostraram a biocompatibilidade da substância nestes tecidos, bem como a sua eficácia como estimulador da resposta fibrosa local, com deposição de grande quantidade de fibras colágenas, constituídas especialmente de colágeno do tipo I, que se caracterizam pelos feixes mais espessos e fortes, além de fibras reticulares, com predomínio de colágeno tipo III.

Estudos clínicos com produtos comerciais contendo microesferas de PMMA em veículos colóides comprovaram a eficácia da substância para o aumento de volume em subcutâneo e músculo. Tais estudos justificam o entusiasmo com que o produto tem sido proposto e utilizado, no campo da medicina estética e da cirurgia plástica, por um número crescente de profissionais no Brasil e no exterior. Ao mesmo tempo, as indicações são cada vez mais variadas, incluindo a correção de deformidades congênitas, o tratamento estético das alterações decorrentes do envelhecimento e mesmo defeitos adquiridos por trauma ou iatrogenia.

Os resultados obtidos em preenchimentos de sulcos e depressões, congênitas ou adquiridas, inclusive na lipodistrofia decorrente do uso do “coquetel” anti-HIV, bem como as aplicações intramusculares para “volumização” e definição de contorno corporal, têm confirmado a segurança e efetividade do uso das soluções de PMMA, quando corretamente utilizadas, de acordo com a técnica preconizada.

No entanto, o uso indiscriminado de termos como “bioplastia”, originalmente criado para denominar uma técnica de preenchimento com PMMA, bem como de “Metacril”, nome original da primeira marca comercial registrada no Brasil (hoje fora de mercado) tem provocado grande desinformação e um verdadeiro prejuízo à reputação do produto em nosso meio.

A “bioplastia”, hoje oferecida de forma “genérica” como alternativa para aumento de glúteos, muitas vezes “esconde” a venda de procedimentos ilegais de injeções de outras substâncias, na maioria das vezes o Silicone Industrial, e realizados por profissionais não qualificados, em ambientes inadequados.

Tal prática tem se disseminado de forma assustadora, constituindo-se em um real problema de saúde pública, com inúmeros casos de complicações, inclusive com internações, seqüelas e óbitos. E, como muitos destas vítimas chegam ao atendimento referindo ter feito uma “bioplastia”, ou usado “Metacril”, vários registros são feitos de forma equivocada, associando indevidamente estes eventos negativos ao PMMA.

Esta situação, além da grave desinformação, gera problemas “em cascata”, que precisam ser corrigidos o quanto antes: perde-se a oportunidade de identificar e notificar corretamente o verdadeiro problema, não são promovidas campanhas para alertar a população para os riscos de um ato efetivamente criminoso e cria-se pânico desnecessário entre os pacientes que realizaram o procedimento correto, com produto de qualidade, profissional capacitado e técnica adequada.

Chega a ser inexplicável a falta de interesse dos órgãos ligados à medicina e à saúde, bem como de algumas sociedades científicas, em atuar de forma mais incisiva na fiscalização e na promoção de campanhas verdadeiramente informativas, que possam orientar os profissionais no atendimento e auxiliar na erradicação da prática ilegal dos preenchimentos clandestinos.

A falta de conhecimento sobre o PMMA, inclusive entre os médicos, faz crescer a confusão e alimenta os mitos e boatos sobre “os riscos da substância”. A dificuldade em fazer diagnósticos diferenciais (que não são difíceis, para quem tem o mínimo de experiência no assunto) entre eventuais complicações de uma verdadeira Bioplastia, com um produto autorizado, e os freqüentes desastres (embolias, infecções, sepse, necroses) causados por uma injeção criminosa de Silicone Industrial ou outros materiais não destinados ao uso em procedimentos estéticos, acaba misturando nas “estatísticas” situações totalmente diversas. E gerando uma distorção absurda dos fatos.

E, ainda como consequências secundárias desta desinformação, perdem os fabricantes nacionais do PMMA, que oferecem um produto com qualidade comprovada (não por acaso aprovado pela ANVISA e por órgãos equivalentes no exterior) e com custo acessível à nossa população, perdem os médicos que o utilizam da maneira correta e ética e, principalmente, perdem os pacientes que poderiam dele se beneficiar.

O PMMA foi primeiramente empregado em uma cirurgia ortopédica, como cimento ósseo, por Charnley, em 1960, para fixação de uma prótese na articulação coxo-femural. Desde então, seu uso como cimento ósseo em ortopedia se tornou corriqueiro. Entretanto, há relato de uma reconstituição de calota craniana com uma placa de PMMA polimerizado realizada em 1940, e, ainda em neurocirurgia, o produto tem sido utilizado também com êxito em vertebroplastias.

Mas o uso do PMMA não se limita a estas aplicações. Na odontologia, a substância é largamente utilizada na confecção de moldes e próteses dentárias, desde 1936. Na cirurgia torácica, é empregada em esternectomias e costectomias, para reconstituição do arcabouço ósseo. Nestes casos, assim como na ortopedia, as microesferas são polimerizadas com a adição de um catalisador, o que promove o endurecimento do material, que assume consistência verdadeiramente óssea. Esta reação libera grande quantidade de calor, em um curto espaço de tempo, que pode chegar a 60º C, merecendo atenção e cuidados da equipe médica envolvida no procedimento.

No campo da oftalmologia, o PMMA tem sido empregado na confecção de lentes intra-oculares. É também utilizado na produção de marcapassos cardíacos. Na otorrinolaringologia, o produto é útil na correção de fendas palatinas. Recentes estudos sugerem o emprego das microesferas de PMMA como veículo para antibióticos, como a gentamicina.

Em toda a literatura científica séria, isenta, desprovida de interesses comerciais e de conotações sensacionalistas, o PMMA é visto como uma substância de uso consagrado, dentro das indicações estabelecidas e com o emprego das técnicas e dos cuidados recomendados. Por suas características físicas, químicas e biológicas, não migra, não se degrada, não libera partículas ou elementos potencialmente nocivos e não provoca reação antigênica.

Em 1983, Lemperle e colaboradores, do Departamento de Cirurgia Plástica do Hospital St. Markus, em Frankfurt, Alemanha, utilizaram, pela primeira vez, o implante subdérmico de PMMA em um veículo coloidal, no caso, o colágeno bovino desnaturalizado, em ratos, tendo concluído que o material era seguro para aplicação em tecido subdérmico, como demonstrou em artigo publicado em 1991. Em 1989, ainda em caráter experimental, o mesmo grupo iniciou a segunda fase de seu estudo, que chamou de investigação clínica, com a aplicação em humanos, para fins estéticos e reparadores. Seus primeiros resultados foram publicados em 1995, e confirmaram a viabilidade do procedimento. Este produto, composto por microesferas de PMMA dispersas em colágeno bovino, foi o primeiro a ser lançado comercialmente, com o nome de Artecoll®, e está em uso clínico há mais de 25 anos.

Desde então, o uso de soluções de PMMA em gel, para implante em partes moles, sem a adição de catalisador, vem se tornando cada vez mais difundida e popular, alcançando resultados satisfatórios, com baixos índices de complicações.

A substituição do colágeno bovino por um veículo sintético, não antigênico, tornou o produto ainda mais seguro para ser implantado, dispensando a necessidade de teste alérgico prévio e reduzindo o risco de anafilaxia. Nos últimos 15 anos, vários trabalhos têm sido apresentados com o uso do PMMA neste tipo de veículo, solução esta desenvolvida em laboratórios brasileiros, inicialmente com o implante em tecido celular subcutâneo e, depois, também nas indicações para uso intramuscular, sempre com bons resultados, inclusive no tratamento da lipodistrofia secundária ao uso do coquetel anti-retroviral, em pacientes HIV +, em programas financiados pelo SUS.

Já é, portanto, reconhecida e estabelecida a utilização do PMMA para aumento de volume em subcutâneo e músculo, com fins estéticos e reparadores. A presença das microesferas provoca a formação de um granuloma, rico em fibras colágenas e reticulares. O material orgânico do granuloma, somado ao próprio produto implantado, ocupa um espaço significativo na região injetada, promovendo um aumento volumétrico e sem causar dano ao tecido adjacente.

Em alguns casos, geralmente em decorrência de algum erro técnico (excesso de volume, má distribuição do produto na região a ser preenchida ou concentração em desacordo com a indicação), este granuloma pode se tornar maior ou mais denso do que o esperado, ficando palpável e causando algum desconforto estético ou funcional. Esta tem sido a complicação mais frequentemente reportada na literatura, relacionada aos preenchimentos com PMMA, e pode ser tratada com infiltração de soluções fibrinolíticas (a maior parte do volume é formada pela fibrose, e não pelo produto) ou, excepcionalmente, com ressecção cirúrgica.

Para melhor adequação a cada paciente e região a ser tratada, visando o melhor resultado com o menor risco de formação de granulomas clinica ou esteticamente desfavoráveis, estão disponíveis no mercado nacional soluções injetáveis de PMMA, em veículo gel, à 5%, 10%, 20%, 30% e 50%.

Além destas aplicações, é válido mencionar que o PMMA está presente, ainda, em diversos produtos de uso tópico, como loções, cremes, produtos de proteção solar e maquiagem, para melhorar a fluidez dos compostos.

Vale destacar que, com todas estas aplicações conhecidas, e com tantos anos de utilização, é evidente que um número consideravelmente alto de indivíduos tem PMMA implantado em alguma parte do seu organismo. E, apesar dos infundados boatos e temores disseminados por algumas fontes, frutos da falta de conhecimento e do desinteresse em se aprofundar no assunto de forma séria, não há razão para alarmar pacientes com possíveis “reações tardias imprevisíveis”.

De fato, são incontáveis os pacientes tratados com o PMMA destinado ao uso estético, sendo alguns milhares já com mais de 30 anos de evolução, sem qualquer registro de complicação local grave. A recentemente descrita “Síndrome Ásia”, que associa manifestações clinicas sistêmicas (fibromialgia, astenia, etc) ao implante de substâncias sintéticas, tem sido sugerida em casos excepcionais, sendo relatada, com mais freqüência, nas pacientes que possuem próteses de silicone (o que, evidentemente, não tem se mostrado significante a ponto de contra-indicar as mamoplastias de aumento).

Da mesma forma, não se justifica, cientificamente, o receio, manifestado por alguns médicos, em realizar outros procedimentos, estéticos ou não, em pacientes que possuam PMMA. Por suas já mencionadas propriedades, o Polimetilmetacrilato, uma vez envolvido pela tecido fibroso do “granuloma de corpo estranho”, se comporta como um conjunto de micro próteses, sem qualquer ação farmacológica, térmica, química ou física que possa interagir ou interferir em outros tratamentos, inclusive na mesma área. Mais uma vez, a desinformação e a falta de conhecimento se colocam como obstáculos, prejudicando médico e paciente.

Concluindo, a despeito de toda a desinformação a cerca do uso do Polimetilmetacrilato, especialmente os registros e estatísticas falsas (que atribuem ao produto complicações provocadas por outras substâncias), o histórico do produto e a literatura científica (nacional e internacional) atestam a sua utilidade e a segurança do seu uso, dentro das indicações e da técnica preconizada. Como qualquer procedimento médico, não é isento de riscos e possíveis efeitos adversos, mas as complicações são raras e de pouca gravidade, compatíveis com as observadas em qualquer outro tratamento.

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2021

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Prof. Dr. Eduardo Costa Teixeira
Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Plástica
Professor Associado do Departamento
de Cirurgia Geral e Especializada da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
Mestre em Medicina pela UFF
Doutor em Medicina pela UFRJ

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